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Futuros Desejáveis na Saúde: redesenhando o cuidado com consciência

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A transição do comando ao cultivo

E se o cuidado não fosse um produto para ser entregue, mas um sistema vivo para ser cultivado?

A crise de 10 milhões de profissionais de saúde, prevista para 2030[1], não é apenas um problema de escassez de pessoas. É o grito do sistema. É a prova de que o modelo-máquina, baseado em hierarquia e processos rígidos, colapsou sob o peso da urgência.

A Saúde não carece de mais esforço. Carece de um novo design de trabalho.

É aqui que a Inteligência Artificial e a tecnologia entram: elas são a ferramenta que nos permitem recuperar o tempo para o cuidado. Usamos a IA para ampliar nossa presença e liberar a potência humana para o que é insubstituível: a escuta genuína e a decisão ética.

Os Futuros Desejáveis exigem coragem para repensar quem faz o quê e como a tecnologia nos permite focar no essencial. Encarar essa lacuna é uma oportunidade com sentido: fechar essa lacuna é adicionar mais de US$ 1 trilhão à economia global e evitar 7% da carga mundial de doenças[1].

Este artigo é um convite ao redesenho sistêmico, um convite para usar a tecnologia como ferramenta de consciência e não como chefe, permitindo que a excelência humana possa, de fato, florescer.

A sala de espera é o sistema falando

A sala de espera é o sistema falando. Ela se comunica através de olhares para o relógio, uma mãe equilibrando formulários, uma enfermeira escolhendo entre preencher prontuários e dar um toque no ombro de um paciente. Um gerente monitora as horas extras como um eletrocardiograma — picos de urgência, vales de fadiga. Nada disso se deve à falta de esforço; é um problema de design que se mantém atual. 

E se as filas não forem uma falha de pessoal, mas sim um fluxo de trabalho que não se adapta mais ao corpo que ele serve? E se o cuidado se deslocasse para onde a vida acontece — casa, escola, bairro — e o hospital se tornasse a exceção? A verdade é crua: até 2030, o mundo terá um déficit de pelo menos 10 milhões de profissionais de saúde[1]. Não temos falta de pessoas. Temos um desafio de design do trabalho e distribuição do cuidado — um desafio que podemos resolver ao redesenhar quem faz o quê, como o trabalho flui e onde o cuidado é prestado. 

O que isso significa? Que o modelo está ultrapassado — e o sinal está por toda parte.

O sinal por trás da escassez

O que a sala de espera nos mostra é claro: a demanda ultrapassou a forma como o trabalho é estruturado e distribuído. Não podemos resolver isso apenas contratando — os processos não escalam com rapidez suficiente e a rotatividade continua a esgotar os recursos[1]. A solução é a reformulação dos serviços, abrangendo quem faz o quê, como o trabalho flui e onde o atendimento é realizado. As consequências são concretas: reduzir essa lacuna poderia evitar cerca de 7% da carga global de doenças e adicionar cerca de US$ 1,1 trilhão à economia mundial até 2030[1].

O Triângulo da Força de Trabalho em Saúde proposto pela McKinsey, Grow, Thrive, Stay[1], Expanda, Prospere, Retenha, em livre tradução, transforma esse sinal em ação. Expanda ampliando a oferta por meio de novas vias de acesso, treinamento com foco em simulações e credenciamento mais rápido de profissionais. Prospere eliminando o trabalho de baixo valor agregado com delegação de tarefas e automação inteligente, para que os profissionais clínicos atuem em sua capacidade máxima. Retenha concentrando-se em trabalho seguro, previsível e digno, que as pessoas desejam continuar realizando.

A lacuna é desigual entre regiões geográficas e especialidades, afetando mais fortemente onde as necessidades são maiores e as populações estão envelhecendo. As perspectivas dos executivos ecoam a mesma urgência: ganhos de produtividade, cuidados habilitados por tecnologia e maior engajamento do paciente são agora essenciais para o desempenho e não projetos secundários[2]. A implicação para os líderes é simples: tratem a escassez como um problema de design e planejamento, mensurem o tempo liberado para o cuidado e reestruturem os fluxos de trabalho para que a excelência humana possa se multiplicar.

Reimaginando quem entrega o cuidado

Reduzir a desigualdade começa por ampliar o círculo de pessoas que podem contribuir com segurança para a saúde. Imagine pequenas equipes, “células de cuidado” com  profissionais clínicos, tecnólogos e membros da comunidade trabalhando em conjunto. Agentes comunitários de saúde e especialistas de suporte estendem a confiança para os lares e bairros; aposentados retornam como instrutores e mentores; coordenadores de cuidados digitais e enfermeiros de dados transformam informações em ação; cuidadores familiares recebem treinamento e microcredenciais para participar com confiança. Os próprios pacientes se tornam agentes ativos por meio de protocolos de autocuidado e monitoramento remoto,  com apoio, nunca abandonados.

Padronize a transferência de tarefas, supervisione para proteger a qualidade e certifique o que importa. Isso só funciona com protocolos claros, fluxos de trabalho padronizados e supervisão que proteja a qualidade. Microcredenciamento e treinamento com foco em simulações aceleram o ingresso na área sem reduzir o nível de exigência. Equidade é fundamental: contrate localmente, pague de forma justa e leve os serviços para onde as pessoas vivem — não apenas para onde os prédios estão localizados.

O objetivo não é diluir a especialização, mas sim realocar tarefas para que todos operem no seu máximo potencial. Essa é a essência de reimaginar quem, como e onde o cuidado é prestado e o espírito prático por trás do Expanda, Prospere, Retenha[1]. As perspectivas levantadas no Deloitte Insights 2025 convergem na mesma direção: expandir novas funções, combinar a capacidade da equipe virtual e presencial e criar carreiras que as pessoas queiram manter[2][3].

IA como ferramenta, não como chefe

Se a escassez for um sinal de design, a IA é uma das ferramentas que nos permite redesenhar o mapa. A promessa não é substituir os médicos; é devolver tempo ao cuidado. Comece onde o esgotamento e o desperdício se concentram: documentação, agendamento, mensagens, renovações de receitas, encaminhamentos e autorização prévia. O ambient scribing, transcrição ambiental da consulta clínica, o smart routing, roteamento inteligente de mensagens, pedidos, resultados, chamadas, tarefas clínicas e administrativas e o preenchimento automático podem eliminar horas de cliques de baixo valor por semana, para que as pessoas possam praticar no seu máximo potencial, é o pilar Prospere em ação. As perspectivas são claras: a produtividade habilitada por tecnologia e o engajamento do paciente passaram de “inovação” para operações essenciais[2].

Na área clínica, utilize IA para apoio à decisão e orientação, aprimorando a triagem, identificando riscos e guiando os percursos de cuidados crônicos, sempre com revisão humana. Defina diretrizes antecipadamente: testes de viés, proveniência do conjunto de dados, explicabilidade, regras de escalonamento e consentimento desde a concepção[4]. Combine cada implementação com treinamento baseado em simulações e POPs, procedimentos padrão, claros para que as equipes saibam quando confiar, ignorar ou intensificar.

Operacionalmente, trate a IA como qualquer ativo de alta confiabilidade: objetivos de nível de serviço, trilhas de auditoria, planos de reversão e um responsável clínico pelo produto. Meça as únicas métricas que importam para os humanos: minutos economizados por consulta, tempo de espera para agendamento, taxas de erro, reinternações e carga de trabalho percebida. Quando a IA amplia a presença humana, liberando as mãos, aguçando a mente, protegendo a atenção, não estamos apenas digitalizando o modelo antigo. Estamos aprimorando o próprio trabalho.

Onde o cuidado acontece

O cuidado é mais eficaz quando se desloca para onde a vida acontece. O hospital tradicional continua sendo essencial para casos de alta complexidade, mas o local padrão de atendimento se expande: casa, vizinhança e local de trabalho. Modelos que priorizam o atendimento domiciliar, monitoramento remoto de pacientes, enfermarias virtuais, hospital em casa, possibilitam intervenções mais precoces, internações mais curtas e novos padrões de equipe, turnos híbridos, supervisão por central de comando.[2][3]. Pontos de contato com a comunidade, centros de atenção primária, farmácias, escolas, centros religiosos, ampliam a prevenção e o gerenciamento de doenças crônicas, construindo confiança onde ela já existe[1]. O acesso virtual desde a concepção, telessaúde, triagem eletrônica, teleconsulta,  transforma distância e tempo em aliados, em vez de barreiras, especialmente para populações rurais e carentes[2][3].

Isso não é apenas uma questão de conveniência; é uma questão de alívio de capacidade. Transferir volumes adequados para fora do hospital libera talentos escassos no local para o que somente eles podem fazer. Mas essa mudança precisa ser planejada: reembolso e políticas que reconheçam a paridade virtual, portabilidade de licenças, diagnósticos e logística em domicílio, dispositivos, laboratórios de coleta e protocolos de segurança claros com vias de escalonamento[1][2]. As salvaguardas também se aplicam aqui: testes de viés, procedência, explicabilidade, escalonamento e consentimento desde a concepção.

Meça o que importa: tempo até a consulta, visitas evitadas ao pronto-socorro, reinternações e acesso relatado pelo paciente. Quando o local muda, quem e como acompanham, as equipes se reorganizam, as tarefas são redistribuídas e a tecnologia se torna o tecido conectivo. Esse é o caminho prático para a equidade e a resiliência: aproximar o atendimento, manter os hospitais para exceções e permitir que a presença se expanda por meio de sistemas inteligentes[1][2][3][5].

Cultivando a Potência Humana com Tecnologia

A sala de espera é o sistema falando, e a mensagem é clara: os modelos de gestão baseados apenas em comando e controle atingiram sua fadiga de superficialidade. A escassez de profissionais é o sintoma de uma arquitetura que precisa ser transformada, não apenas preenchida.

O Futuro Desejável da saúde não está em um software, mas em um novo contrato social do trabalho. A tecnologia — IA, monitoramento remoto, smart routing — atua como o viabilizador sistêmico, o tecido conectivo que permite a transição do modelo-máquina para o organismo resiliente.

A verdadeira métrica de sucesso não é a produtividade extraída, mas sim o tempo liberado para o cuidado e a cultura de confiança que a tecnologia nos permite cultivar para que o sistema se auto-regule e evolua.

Liderar nessa transição é, antes de tudo, um ato de consciência e coragem. É assumir a responsabilidade de ser o arquiteto de organizações que realmente evoluem, cultivando o solo rico onde a potência humana pode florescer naturalmente.

Na sua organização, o que ainda opera sob o paradigma da máquina e o que a tecnologia já está viabilizando para que ela respire como um organismo vivo?


Referências

[1] MCKINSEY HEALTH INSTITUTE. Heartbeat of health: Reimagining the healthcare workforce of the future. [S.l.]: McKinsey & Company, 14 maio 2025. Disponível em: https://www.mckinsey.com/mhi/our-insights/heartbeat-of-health-reimagining-the-healthcare-workforce-of-the-future.Acesso em: 12 nov. 2025.


 [2] SIEGEL, Sara. 2025 Global Health Care Outlook. Deloitte Insights, 29 jan. 2025. Disponível em:https://www.deloitte.com/us/en/insights/industry/health-care/life-sciences-and-health-care-industry-outlooks/2025-global-health-care-executive-outlook.html?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 12 nov. 2025.


 [3] AMERICAN HOSPITAL ASSOCIATION. 2025 Health Care Workforce Scan. [S.l.]: American Hospital Association, 2024. 29 p. Disponível em: https://www.aha.org/system/files/media/file/2024/11/2025-Health-Care-Workforce-Scan.pdf. Acesso em: 12 nov. 2025.


 [4] HAZARIKA, Indrajit. Artificial intelligence: opportunities and implications for the health workforce. International Health, [S.l.], v. 12, n. 4, p. 241–245, 17 abr. 2020. DOI: 10.1093/inthealth/ihaa007. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7322190/. Acesso em: 12 nov. 2025.


 [5] BARROW, Olivia. 2025 Healthcare Outlook: Key Policies and Industry Trends. FiscalNote, 2025. Disponível em: https://fiscalnote.com/blog/2025-health-care-outlook-policies-industry-trends](https://fiscalnote.com/blog/2025-health-care-outlook-policies-industry-trends. Acesso em: 12 nov. 2025.

 
 
 

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